Esse post (o 6º post do nosso especial My French Film Festival 2018) é o exemplo clássico de que não é só na França que se fala francês. Do Canadá tem o ótimo 1:54; Núpcias é uma co-produção entre quatro países liderada pela Bélgica e Aglae Crash Test é o legítimo representante da terra da Torre Eiffel.
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MY FRENCH FILM FESTIVAL 2018: WEI OR DIE
MY FRENCH FILM FESTIVAL 2018 #2: longas Willy I, Ava e Até o Fim do Verão
MY FRENCH FILM FESTIVAL 2018 #3: curtas O Gosto do Vietnã, O Filme do Verão, Planeta Infinito e O Roteirista
MY FRENCH FILM FESTIVAL 2018 #4: longas Os Últimos Parisienses, Swagger e O Último Metrô
MY FRENCH FILM FESTIVAL 2018 #5: curtas Lazare, Vida Longa ao Imperador, Bonita e Um Vestido de Amor
1:54 [Canadá, 2016]
Francis (Robert Naylor, de Imortais e Tudo Vai Ficar Bem) e Tim (Antoine-Olivier Pilon, de Pee Wee: O Inverno que Mudou a Minha Vida e Mommy) eram dois amigos inseparáveis. Uma amizade de longa data reforçada pelo tempo que passavam juntos no parque ou por experimentos de química na escola. Mas, havia um “algo a mais” nessa amizade do que apenas companheirismo. Havia uma atração, um desejo de um pelo outro que infelizmente nunca foi concretizado.
Bastou apenas algumas horas do início do ano letivo para o pesadelo dos dois recomeçar: o bullying, tão antigo quanto a amizade deles. Francis não suportava mais a quantidade de brincadeiras maldosas. Ao assumir abertamente sobre a sua sexualidade, a situação piora ainda mais. Não só pela intensidade de brincadeiras, mas também pela falta de apoio do amigo.
Uma estratégia que se revela extremamente equivocada e culmina no suicídio de Francis. Ato presenciado por Tim. O modo como essa cena nos impacta ainda na primeira metade de 1:54 mostra a efetividade de Yan England (dirigindo o seu primeiro longa-metragem) em estabelecer a amizade de seus protagonistas e facilita ao espectador entender o quão grave é essa morte para Tim e que não é uma tarefa simples para Antoine-Olivier Pilon interpretar.
A única forma que Tim encontra para “vingar” a morte do amigo é retomar o seu treinamento de atletismo e se candidatar a uma vaga no campeonato dos 800 metros livres e atrapalhar as ambições de Jeff Roy (Lou-Pascal Tremblay), praticamente o líder do grupo de valentões. Não há outro modo de Jeff concorrer com Tim que não seja a base de mais ameaças.
O impulso de voltar a competir cria um novo ânimo e um novo respiro para Tim se livrar de tanta opressão, contando com o apoio de Jennifer (Sophie Nélisse, de A Menina que Roubava Livros e O Dono do Jogo) e do treinador na empreitada. Mas foi algo momentâneo. E a recaída revelou-se ainda pior!
1:54 mostra o quanto a escola, pais e sociedade ainda são incapazes de lidar com o bullying. As vítimas não conseguem denunciar com medo de que a situação delas se agravem; quem é responsável por zelar pela segurança (profissionais da escola e os pais) não conseguem identificar e punir os agressores que saem impunes de todas essas ocasiões e continuam vivendo como se nada tivesse acontecido. Como ocorre tantas e tantas vezes, não só em 1:54, como na nossa realidade também.
NOTA: 5/5
NÚPCIAS* [Bélgica/Paquistão/Luxemburgo/França, 2016]
*Também registrado no IMDb como A Garota Ocidental: Entre o Coração e a Tradição.
Já faz algum tempo que a família de Zahira (Lina El Arabi) deixou o Paquistão para morar na Bélgica. O contato com uma nova cultura, na qual Zahira está muito bem adaptada, entretanto, não os impedem de exigir dos filhos as velhas convenções impostas pela religião.
Chega até a ser irônico a mãe de Zahira afirmar que eles são modernos só pelo fato de usarem a internet para submeterem a filha a um casamento forçado. Mas este não é o primeiro (e nem será o último) dilema que a protagonista enfrentará.
Núpcias nos apresenta Zahira em uma consulta médica discutindo as possibilidades que tem para realizar um aborto, procedimento legalizado na Bélgica. Ao contrário de outras histórias semelhantes, aqui é ela quem não está disposta a abortar, contrariando seu irmão-confidente Amir (Sébastien Houbani, de Gerônimo) e sua melhor amiga Aurore (Alice de Lencquesaing, de Chocolate e Frantz). Após desistir na primeira, o aborto só ocorre mesmo na segunda tentativa, num período em que seus pais já lhe arranjaram um casamento, cabendo à ela escolher dentre três pretendentes. Já dissemos que a família dela era “moderna”, não?
Mesmo com todo o amor e carinho que ela tem e nutre por seus pais e irmãos, Zahira não terá vigor o suficiente para lutar contra o fundamentalismo religioso presente na família. Uma força que, motivada por suas aspirações a uma vida ocidental, mais libertária e menos rígida, está fadada a perder.
NOTA: 4/5
AGLAE CRASH TEST [França, 2017]
Quando uma montadora de veículos decide fechar sua planta industrial na França e reabrir uma filial na Índia para um claro barateamento de custos, Aglae Lanctot (India Hair, de Camille Outra Vez e Na Vertical) perde a única coisa em sua vida que deu certo: o seu emprego. Trabalhar no departamento de testes de colisão dos automóveis era a sua realização pessoal – algo que não conseguia nem no campo social ou amoroso.
Por isso que causa estranheza aos dirigentes do local a concordância dela em se mudar para o país indiano. A proposta que eles ofereciam tinha sempre em mente a pronta recusa dos empregados. Mas não foi o que ocorreu com Aglae e com mais duas amigas suas.
Mas Marcelle (Yolande Moreau, de O Fabuloso Destino de Amélien Poulain e A Vida de Uma Mulher) e Liette (Julie Depardieu, de A Hora do Rush 3 e Os Olhos Amarelos dos Crocodilos) não tem a mesma força de vontade e perseverança da protagonista quando a empresa também decide não custear a passagem de avião, obrigando-as a ir à Índia de carro!
Aglae enfrenta uma epopéia digna de Marco Polo, saindo da sua zona de conforto e expondo ao mundo de uma forma que nunca tinha feito antes. Uma solução muito desproposital para quem justamente não queria sair da própria zona de conforto.
Aglae Crash Test tenta se encaixar numa subcategoria de comédia que o cinema francês, particularmente, domina muito bem: a comédia em que as situações vão se sobrepondo umas às outras, freneticamente. Aqui, cenários, países e personagens surgem aos montes, mas o riso não vem na mesma quantidade. Uma construção mais aprofundada da protagonista (e dos principais coadjuvantes) talvez resolvesse, em partes, esse humor problemático do filme.
NOTA: 3/5