Vamos para mais um apanhado cinematográfico aqui no Ser ou Não Sei. O grande destaque dessa nona edição Breves & Curtas é o nacional Bingo – O Rei das Manhãs, selecionado brasileiro para concorrer à uma das indicações ao Oscar de melhor estrangeiro em 2018. Ainda tem filme de suspense disponível na Netflix (Hush – A Morte Ouve) e filme de espionagem oitentista baseado em HQ, Atômica, estrelado por Charlize Theron.
Confira todas indicações de filmes do Breves & Curtas aqui. Os filmes comentados nas últimas três edições foram esses:
BREVES & CURTAS #8: Fogo no Mar, Antes o Tempo Não Acabava e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
BREVES & CURTAS #7: Nerve – Um Jogo Sem Regras, Holding the Man e O Homem nas Trevas
BREVES & CURTAS #6: Os Irmãos Grimm, Truman e O Maior Amor do Mundo
HUSH – A MORTE OUVE [EUA, 2016]
Complicações cirúrgicas após contrair meningite aos 13 anos de idade fizeram Saddie perder a fala e a audição. Atualmente, ela segue a carreira de escritora e reside numa região completamente isolada, como demonstrado no belo plano-sequência que abre o filme. Para apresentar as deficiências de sua protagonista, o diretor Mike Flanagan (de O Espelho e Ouija: Origem do Mal) utiliza muito bem a edição sonora de sua cena inicial que se passa na cozinha. Os ruídos comuns de quem está cozinhando desaparecem lentamente conforme a câmera se aproxima de Maddie (Kate Siegel), sendo substituídos por um zumbido grave.
Assim, quando sua vizinha e amiga Sarah (Samantha Sloyan, das séries Scandal e Grey’s Anatomy) a visita para comentar sobre a obra que a anfitriã escreveres e utiliza a linguagem dos sinais para se comunicar, as suspeitas do espectador se confirmam: Maddie realmente tem problema de audição.
As horas passam, a visita é encerrada e Maddie retorna para seus afazeres domésticos. Ela, no entanto, não percebe os gritos desesperados da colega à porta, pedindo socorro, prestes a ser assassinada por um psicopata ali na varanda. Nem mesmo em vídeo-chamada com a irmã, ela percebe a presença do assassino mascarado dentro de casa.
A eficiência de Hush: A Morte Ouve como um thriller vem de suas duas chaves principais: o sarcasmo do vilão (John Gallagher Jr., de Rua Cloverfield, 10 e Temporário 12) e a empatia que a vítima consegue obter do público. Extremamente sarcástico e sádico, o mascarado não esconde o seu prazer em realizar o jogo macabro de encurralar Maddie em sua própria casa e abusar da deficiência auditiva da mesma. Seu sadismo surge várias vezes ao longo do filme. Ao se revelar enviando fotos recentes pelo celular de Maddie ou usar o corpo desta para amedrontar Sarah.
Por outro lado, a personagem vivida pela atriz Kate Siegel, beneficia-se pela força de vontade que o roteiro lhe reserva (não a toa escrito por ela e pelo diretor, casados na vida real), sendo uma das protagonistas mais likeable que os filmes do gênero já trouxeram até hoje. Assim, mesmo que alguns clichês surjam aqui e ali, eles não conseguem afetar a nossa torcida por Maddie. Isso só ajuda o filme a estabelecer o seu nível de tensão, o que Mike Flanagan consegue cadenciar com bastante competência, alternando momentos de pura adrenalina com outros de mais calmaria, quando os personagens planejam os seus próximos movimentos.
NOTA: 4/5
ATÔMICA [Alemanha/Suécia/EUA, 2017]
O mundo é movido a segredos. No final da década de 1980, bem no final da disputa ideológica, política e econômica entre União Soviética e Estados Unidos travada durante a Guerra Fria, esses segredos eram ainda maiores. E perigosos! Um único arquivo a revelia em Berlim preocupava as principais agências de inteligência do mundo. Chamado de A Lista, o documento continha o nome e a identidade de todos os agentes secretos clandestinos do mundo.
Para defender seus interesses, os britânicos da MI6 convocam a sua melhor agente para recuperar tais arquivos: Lorraine Broughton (Charlize Theron, de Mad Max – Estrada da Fúria e Monster: Desejo Assassino). Se locomovendo pelos dois lados do Muro de Berlim, a missão da “Loira Atômica” não é nada fácil desde os seus primeiros momentos na capital alemã.
Como um típico filme de espionagem, Atômica de David Leitch (em seu primeiro filme como diretor após uma imensa carreira trabalhando como dublê) investe em múltiplas cenas de ação em diversos cenários de uma Berlim oitentista muito bem retratada. Tais cenas também buscam uma ótima inspiração para suas ambientações – encontrando em certos momentos uma fotografia inspirada – tais como outros filmes do gênero já realizaram como Missão Impossível: Protocolo Fantasma, Skyfall e 007 Contra Spectre.
Se encontramos algum excesso nas reviravoltas que o roteiro de Kurt Johnstad (de 300 e 300: A Ascensão do Império) propõe, o mesmo consegue nos deslumbrar com suas cenas de ação muito bem elaboradas. A preocupação do filme vai além do aspecto impossível e surpreendente dos combates. Ele se interessa em retratá-los de um modo bem real e próximo. As cenas ocorrem com o menor número de cortes possíveis. E a forma como elas foram filmadas dão a falsa sensação de ausência de que o festival de golpes ocorre sem corte algum.
O ápice de Atômica, nesse sentido, ocorre durante o resgate de Spyglass (Eddie Marsan, da série Ray Donovan e dois longas Sherlock Holmes), um dos últimos homens a ter a posse d’A Lista. Encurralados em um edifício, ele e Lorraine enfrentam inúmeros inimigos na escadaria do prédio. Nesse momento, qualquer objeto que surja pela frente deles é usado como arma.
A época em que o filme se passa é a desculpa perfeita para utilização de clássicos musicais retrô na trilha sonora. Outra “tendência” estipulada pelos filmes de ação mais recentes. Incorporados na trama como uma forma da protagonista de se abstrair da tensão do momento ou de ocultar alguma informação importante em algum diálogo, o resultado da coletânea de canções organizada pela produção, liderada pela presença de Under Pressure de Queen com David Bowie nos créditos finais, é apenas satisfatório.
NOTA: 3/5
BINGO – O REI DAS MANHÃS [Brasil, 2017]
Sua mãe havia contribuído para a história da teledramaturgia brasileira, ou seja, o talento e o amor pela exposição ao público estava em suas veias. Parte dessa aptidão estava a serviço dos títulos duvidosos das pornochanchadas. Seu filho também era fruto de um relacionamento (não duradouro) com alguém que também pertencia ao meio artístico. Tudo na vida de Augusto Mendes (Vladimir Brichta, de A Mulher Invisível e Vai que Dá Certo 2) envolvia, indireta ou diretamente, o show business da televisão.
Ou seja, perfeitamente natural que ele tome para si o ousado desafio de superar a emissora líder de audiência na época, a TV Mundial (vulgo Dama Prateada) quando é subestimado pelos seus executivos após um teste de elenco para a próxima novela. A esperança surge na emissora concorrente. No mesmo dia que participa de uma audição para elenco do canal, a TVP realizava testes para escolher o profissional que conduziria o seu maior investimento até então: o projeto Bingo. Com os direitos adquiridos do palhaço americano, a rede de televisão queria repetir aqui o sucesso mundial de Bingo, líder de audiência há 10 anos em solo americano.
Numa estratégia ousada de conquistar o posto, Augusto assume o compromisso de elevar o programa das manhãs ao sucesso nacional, o colocando em rota de colisão com o responsável americano (Soren Hellerup, de Tudo por um Bebê e Meu Amigo Hindu) pela implantação do programa e com a diretora (Leandra Leal, de O Lobo Atrás da Porta e O Rastro), que estavam apegados demais a um script traduzido. Portanto, sem a essência da sociedade brasileira e fadado ao fracasso. Coube à ousadia e à ambição de Augusto a adaptação (até radical em certos pontos) do projeto.
Sucesso passou a alimentar o ego inflado de protagonista e financiar os seus vícios (drogas, álcool e mulheres). Ao mesmo tempo que trazia um clima de descontração para os bastidores do programa, fazendo questão de incluir os funcionários da produção técnica na “brincadeira”, o camarim de Bingo não tinha absolutamente nada da natureza infantil propagada pelas câmeras da atração. Um programa voltado para crianças, mas apelava para cantoras de micro-vestidos (leia-se Gretchen) para brigar pelo primeiro lugar de audiência.
Um bom termômetro sobre o sucesso de Augusto Mendes como o Rei da Manhã é a sua relação com o filho Gabriel (a revelação Cauã Martins). Quanto maior o sucesso na TV, mais distante era a relação do garoto com o pai. Se o ator debutante não consegue interpretar tão bem a angústia de seu personagem nesse momento, isso não é um impedimento para que o espectador sinta ou se imagine na pele do garoto. Afinal, a construção do relacionamento de extremo carinho e respeito entre os dois no início do filme foi muito bem realizada. E aqui sim, Cauã Martins merece todos os elogios pela sua atuação.
Do anonimato ao sucesso, da fama para a derrocada, do show televisivo para os cultos evangélicos, Bingo – O Rei da Manhãs constrói um brilhante arco narrativo para o seu protagonista. Augusto Mendes, à imagem e semelhança de Arlindo Barreto, conta ainda com um inspirado e vigoroso Vladimir Brichta para ser sua representação na tela grande. Um filme que ainda oferece uma rica e bela ambientação de uma São Paulo da década de 1980.
NOTA: 5/5