Os três filmes comentados nesta edição do Breves & Curtas devem ganhar alguma indicação na próxima cerimônia do Oscar, no dia 05 de março. O primeiro deles, Viva – A Vida é uma Festa mais um grande fruto da parceria Disney/Pixar é presença praticamente garantida na categoria de melhor animação, no mínimo.
Se para os outros dois longas as chances não são assim, tão certeiras, pelo menos é o que esperam os países que os selecionaram para concorrer a uma das vagas de melhor filme estrangeiro: é o caso de 120 Batimentos por Minuto (candidato francês) e Corpo e Alma, o escolhido pela Hungria.
Aproveite e navegue também pelas edições anteriores do B&C:
BREVES & CURTAS #10 (Especial Mostra SP 2017): Não Devore meu Coração, Tenha um Bom Dia, A Oeste do Rio Jordão e Um Judeu Deve Morrer
BREVES & CURTAS #09: Bingo – O Rei das Manhãs, Hush – A Morte Ouve e Atômica
BREVES & CURTAS #08: Fogo no Mar, Antes o Tempo Não Acabava e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
VIVA – A VIDA É UMA FESTA [EUA, 2017]
Os Riviera relegaram o passado musical da família por três gerações e passaram a dedicar todo esse período à fabricação de sapatos. Toda essa implicância ocorreu porque um de seus membros abandonou esposa e filhos para apostar tudo em uma carreira musical, sendo que nunca mais voltou para contar como essa aventura terminou.
Mas o dom ficou no sangue, mesmo com todas as proibições que a família manteve ao longo dos anos, e voltou a aparecer em Miguel (voz de Anthony Gonzalez na versão original). Um garoto que não conseguia esconder a sua fascinação pelo ritmo musical. Durante a popular festa mexicana do Dia dos Mortos, o menino decide, às escondidas, participar de um concurso de música na cidade quando, acidentalmente, se vê no gigantesco mundo dos mortos.
Nesse mundo pós-vida, não é só uma outra realidade povoada de esqueletos que Miguel encontra. Ele também ajuda a revelar aos seus antepassados uma nova versão da história dos Riviera até então desconhecida e que está intimamente ligada ao aparente sucesso de Ernesto de la Cruz (Benjamin Bratt, de O Amor nos Tempos do Cólera e Conexão Escobar), o mais célebre músico mexicano. Uma emocionante aventura de resgate das raízes familiares. Uma jornada pela superação pessoal e pelo perdão em suas mais variadas vertentes.
Mais uma vez, a parceria Disney/Pixar constrói com maestria aquilo que é sua marca registrada: estabelecer um mundo fictício rico em detalhes, beleza e mitologia. Por exemplo, a quantidade de mortos vivendo em casebres de madeira (favelas) pois não lhe são dedicadas oferendas aqui na Terra durante a celebração do Dia dos Mortos. Uma história que diverte e emociona quase que simultaneamente e com extrema facilidade. Impossível não se comover com o desaparecimento em definitivo ao que os mortos estão sujeitos, a partir do momento que ninguém vivo tenha alguma lembrança deles. Uma circunstância que impulsiona a segunda metade da animação ao ser o futuro possível de um importante personagem.
NOTA: 5/5
120 BATIMENTOS POR MINUTOS [França, 2017]
Estados Unidos. 1989. Local e ano de fundação do grupo Act Up. Composto majoritariamente por membros soro-positivos, a organização tinha grande destaque na luta contra a ineficiência e inércia do governo e das grandes indústrias farmacêuticas nas políticas de prevenção e de tratamento da AIDS.
Reuniões semanais promovidas por seus integrantes serviam como espaço de discussões para as formas e ações do grupo, que usavam de certa truculência para se posicionarem diante das várias frentes que defendiam. O ingresso de novos membros era uma constante, assim como a perda destes. Mas nem com a morte a batalha era deixada de lado. O luto também era usado como arma de protesto.
120 Batimentos por Minuto tem dois tempos de abordagem em seus 140 minutos de duração. Além desse perfil combativo e documental que abre espaço para uma grande gama de personagens, cada qual com o seu posicionamento e com sua relação com o HIV, sendo portadores ou não da doença. O longa de Robin Campillo (diretor de Eastern Boys e roteirista de Entre os Muros da Escola) também assume uma posição mais intimista em segunda metade ao enfocar o relacionamento de Sean (Nahuel Pérez Biscayart, de O Futuro Perfeito e Tatuado) e Nathan (Arnaud Valois, de Cliente) que surge dentro do Act Up parisiense. O amor entre os dois floresce à medida que a saúde do primeiro se deteriora. Se já não bastasse o fardo de assumir tantas responsabilidades e lidar com tantas injustiças em tenra idade, alguns deles ainda eram impedidos de algo tão genuíno como amor. Eram jovens, mas tinham a consciência de que a finitude da vida (tão intrínseca à nossa existência) estava assustadoramente contígua a eles.
Embora emocione e comova com as histórias que apresenta como um todo, há uma certa irregularidade na transição entre as suas duas principais narrativas que causa um certo desconforto, uma estranheza na hora de acompanhá-la.
NOTA: 3/5
CORPO E ALMA [Hungria, 2017]
A empresa de processamento de carne animal comandada por Endré (Morcsányi Géza) está sofrendo com o rigor imposto pela nova inspetora de qualidade, Mária (Alexandra Borbély). O nível de exigência que reflete diretamente na vida dela: totalmente reclusa, isolada, solitária. Algo tão “inaceitável” nos dias de hoje que ela vira facilmente alvo de chacota dos demais funcionários. Inclusive de quem acabou de ser contratado.
O ambiente da fábrica (retratado com grande riqueza de detalhes até mesmo no abate dos animais) enfrenta um certo rebuliço quando uma substância usada para acelerar o apetite sexual dos animais é roubado dos estoques. Uma investigação policial é instaurada e uma psicóloga contratada para entrevistar todos os funcionários a fim de se encontrar o responsável pelo furto.
Inesperadamente, é dessa situação que se tem o início de um peculiar relacionamento amoroso entre Endré s Mária. Ambos descobrem que compartilham do mesmo sonho, já que os dois se vêem como cervos em uma gélida floresta. Tais animais surgem já no início do longa da húngara Ildiko Enyedi (de O Meu Século XX). O interesse pelo olhar desses animais e até mesmo a tentativa de retratá-los subjetivamente, demonstra a importância que o filme quer atribuir a eles.
Mas esse relacionamento não é tão fácil assim de ser concretizado. Afinal, Mária não tem a mínima condição de estabelecer um vínculo, por menor que seja, com qualquer um ao seu redor. Estabelecer intimidade, então, é praticamente impossível. Ao se ver diante de um impasse que dependerá dela para ser solucionado, Mária se esforça para trespassar esse obstáculo particular, embora algumas escolhas não sejam exatamente válidas. E se ela não encontrar uma maneira rápida de superar essa dificuldade, quem ela tanto deseja pode se afastar de vez dela. Assim como todos os outros!
NOTA: 4/5