Os Pearlman tinham a mesma tradição todos os anos: receber universitários na mansão que a família mantem numa região bucólica ao norte da Itália para auxiliar o patriarca (papel de Michael Stuhlbarg, de Um Homem Sério e do ainda inédito A Forma da Água) em seus estudos. A aptidão da família para as artes também vingou no filho único deles, interpretado por Timothée Chalamet, do longa Interestelar e da série Homeland. Elio tinha um grande talento para a música. Vivia andando pela propriedade com o seu walkman ligado, rabiscando folhas de partitura, lendo inúmeros livros e, vez ou ou outra, lhe era solicitado que comandasse o piano da casa.
Uma outra atividade era mais incomum para Elio: ser o guia turístico do local para os alunos recepcionados pelo seu pai. Dessa forma que o garoto de 17 anos torna-se uma companhia importante para Oliver (Armie Hammer, de A Rede Social, O Cavaleiro Solitário e O Agente da U.N.C.L.E.) durante a temporada prevista de seis semanas que o universitário passaria junto com os Pearlman. Nesse período, ambos acabam desfrutando de muitos momentos de lazer ao ar livre na vila idílica. Esse contato contínuo, o fato de uma única singela porta separar os quartos em que Elio e Oliver dormiam, mais a beleza do visitante acabam criando uma tensão sexual no garoto. Um rapaz que está no auge da adolescência, com disposição e desimpedido para experimentar todas as vontades despertadas pelos seus hormônios.
O interesse de Elio por Oliver é construído através de flertes discretos evidenciados por uma câmera que reflete os seus olhares de relance. Uma observação constante que ocorria entre suas músicas e leituras e sempre que Oliver estivesse à vista. Tal desfile sempre ocorria com roupas leves e curtas – uma exigência do calor da região e uma característica da moda dos anos 1980 – deixando muitas partes do corpo expostas. Um incentivo maior para inflamar qualquer desejo sexual. Enquanto tudo fica muito restrito ao voyeurismo e crises de ciúmes veladas, Elio desenvolve uma paixonite por Marzia (Esther Garrel, de Camille Outra Vez e L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância), uma de suas colegas da região, ao mesmo tempo em que Chiara (Victoire Du Bois, de Um Instante de Amor e O Quarto Proibido), outra amiga, tinha um típico namoro de verão com Oliver.
Aos 22 anos interpretando o papel de alguém cinco anos mais novo, Timothée Chalamet assume com grande talento o protagonismo que lhe é reservado em Me Chame Pelo Seu Nome. Os trejeitos comuns de um adolescente que ele empresta ao personagem, assim como os comportamentos típicos quando alguém da idade é confrontado ou sofre de ansiedade – sendo irônico ou simplesmente se jogando na cama – ajuda a construir o protagonista, falando muito sobre as angústias de Elio sem que esse necessite dizer alguma coisa. O próprio corpo se expressa. Essa conexão profissional-personagem é facilitada pelas semelhanças de história de vida que Elio guarda com Timothée, sendo uma bagagem importante para aquilo que vemos em tela.
De um relacionamento completamente inexistente, passando pelos flertes discretos, pela declaração dos sentimentos em enigmas literários (haveria outra forma de isso ser feita aqui?), até a sua consumação real. Testemunhar essa crescente no âmago de Elio é um dos pontos altos de Me Chame Pelo Seu Nome, embora tenhamos que reconhecer o quão irregular (em questão de ritmo) é o início dessa trajetória. Num período de poucas semanas, o garoto vivencia todas as emoções que compõem um grande amor: a felicidade irracional de tê-lo correspondido no começo, a insegurança de não conseguir mantê-lo e a saudade cruel e implacável criada pela distância. Um turbilhão de sentimentos potencializado pela inocência de se estar experimentando pela primeira vez uma paixão dessa magnitude.
Comparado aos tempos em que o longa de Luca Guadagnino (diretor de Um Sonho de Amor e Um Mergulho no Passado) chega aos cinemas, não podemos esquecer da importância do discurso de tolerância que o roteiro traz e é assumido pelo pai de Elio ou até mesmo pelo próprio Oliver. Em nenhum momento há uma repreensão ou desaprovação por aquilo que o menino sente. E se este está receoso pelos caminhos que envereda, isso acontece apenas por estar os trilhando pela primeira vez. Única e exclusivamente. Ainda nesse sentido temos a postura de Oliver em relação a Elio. Desde o momento em que esteve ciente da admiração que despertou no jovem, Oliver se viu preocupado em não traumatizar Elio, mas deixando evidente que não havia nada de errado com aquilo que ele estava sentindo. Uma apreensão válida se levarmos em conta a diferença de idade entre os dois e uma forma também de acalmar os ânimos de Elio frente ao futuro que esse amor, invariavelmente, encararia. Como se isso fosse possível!
Uma lástima apenas que Me Chame pelo Seu Nome não seja, na íntegra, tão memorável quanto o seu terço final. Um filme exemplar em termos de emoção apenas quando a sua história já está devidamente consolidada. O seu desfecho está repleto de momentos marcantes. A conversa longa, privada, terna e complacente entre pai e filho, onde o senhor Pearlman reconhece a importância e o quão especial foram os momentos que Elio vivenciou nos últimos dias; a despedida silenciosa na estação no momento da partida de Oliver; o telefonema deste para Elio (e a intrusão dos pais na ligação) que leva ao doloroso momento de contemplação do protagonista diante do contínuo crepitar do fogo na lareira. Uma sensível e serena despedida do filme para com o seu público.
NOTA: 4/5