Na tarefa cotidiana de colheita nas encostas do Monte Sapitwa no país africano de Maláui, dois moradores locais encontram o corpo de um homem branco cujo desaparecimento, dias atrás, havia sido noticiado nas capas de jornais do país. Antes de chegar nesse momento, o filme de Fellipe Barbosa (diretor de Casa Grande) volta no tempo, um período de setenta dias, para refazer todo o caminho (dividido em capítulos) que Gabriel Buchmann percorreu ao longo de quatro países africanos.
Andar pelas ruas do Quênia com os trajes típicos da região, no lugar da desgastada camiseta rubro-negra do Flamengo, diz muito sobre a personalidade do rapaz. Extremamente carismático, Gabriel (João Pedro Zappa, de Boa Sorte) visitava a região como pesquisador acadêmico, interessado em desenvolver um futuro trabalho voltado para ciências políticas com foco na educação. A presença in loco nos países pobres só enriqueceria ainda mais as suas observações. Se integrar à comunidade era algo que ele fazia muito bem. Gabriel era recebido com muita alegria pelos vilarejos em que passava e pelas famílias que o acolhiam. O esforço para aprender a cultura e a língua deles facilitava não só o deslocamento pelos lugares, como também o contato com as crianças, bastante receptivas com ele. Gabriel aproveitava esses momentos para praticar outra de suas grande paixões: o montanhismo. A energia do rapaz era praticamente inesgotável. Sempre querendo realizar as escaladas em menos tempo que a prática habitual ditava. Um senso de urgência constante. Algumas vezes sem razão, outras por um motivo lógico.
A pressa para subir e descer o Kilimanjaro era motivado pelo maior deles: matar a saudade acumulada de três meses com a chegada de sua namorada Cristina (Caroline Abras, de Sangue Azul e Entre Idas e Vindas) ao aeroporto da Tanzânia. Entre a observação do cotidiano dos africanos e os passeios como todo bom turista, Gabriel e a Montanha estabelece o seu maior mérito: a vivência de Gabriel e Cristina como um casal. Observar o trânsito dos dois entre a Tanzânia e a Zâmbia é como se estivéssemos acompanhando dois amigos muitos próximos em uma aventura qualquer, tamanha a naturalidade com que as cenas se desenvolvem entre João Pedro Zappa e Caroline Abras. O filme, nesse ponto, revela-se quase que como um recorte dos melhores momentos de uma viagem da qual nunca fizemos parte, mas é como se assim fosse. Os instantes de paixão, as horas de descontração. As brigas de todo casal (banais ou não) como aquela que se estende por vários minutos dentro de um ônibus. Difícil crer que aquela acalorada discussão faça parte de um filme roteirizado. O que não seria possível sem o talento e excelente trabalho realizado por João Pedro e sua parceira Caroline. E podemos dizer mais: com todas as lendas, com toda a espiritualidade das culturas africanas, João Pedro Zappa é aqui, o espírito e a alma de Gabriel e a Montanha. Poucos atores de sua idade conseguiriam executar um trabalho tão excepcional quanto o dele.
Tendo conhecimento do destino fatídico de Gabriel desde o prólogo do filme, a emoção vai florescendo aos poucos. Primeiro, pela simpatia que o protagonista nos desperta; e segundo, pelos depoimentos em off que ilustram algumas cenas, escalando – na narração e na atuação – pessoas que conviveram verdadeiramente com ele em 2009, já que o filme usa as pessoas reais que fizeram parte da história que conta: dos guias, das famílias que hospedaram Gabriel e de tantas outras figuras que o auxiliaram nesse percurso pela África. E a particularidade do momento existente na despedida de Gabriel e Cristina no aeroporto intensifica ainda mais esse sentimento, pois há um duplo significado naquele último beijo, naquele último abraço, naquele último aceno.
A vontade de viver a vida intensamente e a ânsia em vencer os desafios fizeram com que o Maláui fosse a parada definitiva de Gabriel. No Monte Sapitwa (que é ‘lugar proibido’ na tradução literal) existiria, única e exclusivamente, o caminho da subida e jamais o de descida. A pressa em fazer a escalada no menor tempo possível fez Gabriel optar por realizar a última parte do percurso sozinho, sem auxílio do guia. Experiente, ele tem êxito na empreitada como as últimas fotos de sua câmera revelam. Mas sem equipamento e sem proteção o suficiente, ele não estava com o devido preparo para a densa neblina e para o frio que atingiu a região inesperadamente naquele dia. O que serve de consolo para essa triste (mas linda) história é a beleza da última paisagem que os olhos de Gabriel puderam testemunhar. Eternizadas agora nessa memorável homenagem que é Gabriel e a Montanha.
NOTA: 5/5