A Terra está vivendo um período de dez anos de bastante calmaria, paz e tranquilidade desde que ocorreram os últimos ataques de kaijus. Muitas cidades conseguiram se reerguer depois dos ferozes ataques. Outras, no entanto, ainda convivem com as marcas de destruição ou com as imensas carcaças resultantes das batalhas daquela época. Se no primeiro filme uma máfia era construída e mantida a base dos órgãos de kaijus, agora são os jaegers que se tornam uma fonte inesgotável de peças e renda. Um ferro-velho de grandes proporções movimentando um mercado clandestino que o governo tentava (em vão) impedir que ocorresse.
Esse é o cenário oportuno para o encontro de Jake Pentecost (John Boyega, o Finn da atual trilogia de Star Wars, O Despertar da Força, Os Últimos Jedi e Episódio IX) e Amara (Cailee Spaeny em seu primeiro longa). Ele, filho de Stacker Pentecost (papel de Idris Elba no Círculo de Fogo de 2013), vivia aplicando golpes recorrentes nos interessados em componentes dos jaegers. Peças essas que eram de grande utilidade à menina, habilidosa em construir os seus próprios robôs. Claro que em uma escala infinitamente menor. A sua criação, apelidada por ela de Scrapper por exemplo, tinha a interessante habilidade de se transformar numa pequena bola de latas. Se eles se conhecem abruptamente, também é inesperada a “captura” deles pela irmã mais velha de Jake, Mako (Rinko Kikuchi, de Babel e 47 Ronins), responsável por levá-los até o shatterdome localizado em Moyulan, na China. Aqui, Amara se junta a uma turma de jovens aprendizes de pilotos que passa a ser comandada pelo próprio Jake junto com Nate Lambert (Scott Eastwood, de Snowden: Heroi ou Traidor e Esquadrão Suicida), seu ex-parceiro de combate.
Com o desaparecimento dos kaijus, os jaegers piratas se tornam a nova ameaça à humanidade. Um surgimento que termina em tragédia. Mako é fatalmente atingida num desses ataques que ocorre em Sydney. Uma fatalidade que o seu irmão, em ação no momento, não conseguira evitar. E impressiona como o filme não explora emocionalmente essa perda, ignorando Mako solenemente. O incidente acelera a implantação de uma nova linha de jaegers que vinha sendo construída massivamente pela Shao Industries em Xangai. Essa nova geração de robôs contou com a participação do cientista Newt (Charlie Day, de Quero Matar Meu Chefe e da animação Uma Aventura Lego) no seu desenvolvimento.
Newt que também é o elo que permite o ressurgimento dos kaijus na Terra. Um dos participantes da conexão cerebral kaiju-humano promovida pelo primeiro filme, a experiência permitiu que as criaturas se apossassem de sua mente e influenciassem as suas decisões. Assim, sem que ninguém pudesse perceber, os cérebros implantados nos novos jaegers foram geneticamente modificados por ele para que as criaturas pudessem controlá-los tão logo fossem ativados, transformando-os em poderosos organismos híbridos. Ferramentas essenciais para a reabertura da fenda no Círculo de Fogo no oceano Pacífico, o portal de entrada dos kaijus na Terra. Um golpe que pegou a humanidade totalmente desprevenida.
Uma ideia original, muito bem executada, mas que ganha uma continuação genérica. Em suma, é isso o que ocorreu com Círculo de Fogo. A Revolta até que tem a sua disposição um elenco carismático, mas que pouco pode fazer diante de um roteiro tão raso e tão básico. Nem parece um trabalho conjunto de quatro (!) profissionais – além do próprio diretor Steven S. DeKnight também colaboraram no roteiro Emily Carmichael, Kyra Snyder e T.S. Nowlin (o responsável pelo roteiro dos filmes da trilogia Maze Runner). Existe a proposição de argumentos interessantes (muito provável que sejam as ideias originais de Guillermo del Toro ainda em 2013), mas não há a menor habilidade em torná-los narrativamente atraentes, não se consegue desenvolvê-los com propriedade. Até as suas constantes tentativas de humor (envolvendo principalmente a rivalidade tola existente entre Jake e Nate) demoram para surtir o efeito desejado já que, na maioria das vezes, resultam apenas em situações constrangedoras.
Steven S. DeKnight abandona todas as virtudes que seu colega de profissão teve. Se Guillermo del Toro optou por cenas de ação em áreas amplas, o novato diretor decide levar o ápice do seu longa para o tumultuado centro de Tóquio. Uma região apinhada de edifícios e arranha-céus que deveria incrementar a dimensão de destruição que A Revolta ambiciona atingir, mas que falha miseravelmente nessa missão. As lutas são adicionadas a um completo caos narrativo que é a descrição mais bondosa que podemos dar às suas ininteligíveis cenas de ação. A continuação, propositalmente ou não, se distancia ao máximo do filme que o originou. Abandonar a trilha sonora de Ramin Djawadi, por exemplo, é apenas uma dentre tantas outras decisões incompreensíveis. Os acordes originais surgem muito tardiamente aqui e em dois momentos – o último deles só durante os créditos finais.
Tão frustrante quanto todos esses pontos elencados é o fato do futuro da humanidade aqui depender do desempenho de jovens/crianças no comando de robôs gigantes. Algo inverossímil até mesmo dentro da própria mitologia que a série criou. Em clara desvantagem perante os alienígenas, os novos jaegers contarão com uma nova tecnologia desenvolvida por Hermann Gottlieb (Burn Gorman, de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge e A Colina Escarlate) cuja invenção é um mero expediente narrativo para justificar o retorno do personagem (assim como todos os outros personagens reutilizados) na trama.
Seja abandonando ideias e conceitos do primeiro filme ou apostando na presença de personagens secundários como uma ligação (fraca) entre as duas produções, Círculo de Fogo: A Revolta consegue errar em todas as suas escolhas. Mais um conceito original que Hollywood decidiu diluir em uma continuação genérica para alimentar a sua fome insaciável de faturar alguns dólares. Mesmo quando não há uma ideia boa o suficiente que justifique tamanha disposição.
NOTA: 2/5