Um beijo infinito
Com um semblante de preocupação, Dick coçou seu cavanhaque grisalho e fixou seus olhos negros no monitor. Desde sua promoção a capitão da nave Alpha Centauri – tendo se passado sete anos – aquela era a primeira vez que sua assistente de vôo o encontrava naquela situação.
“Senhorita Star, já preparou as coisas? – ele se inclinou na cadeira procurando pelo seu tele comunicador. – Onde pelo Universo Maior isso foi parar . . .”
“Sim, Capitão. A propósito, – Star sorriu olhando para frente – ele está no seu bolso.”
Dick pegou o aparelho e olhou para os lados se sentindo um velho.
“Obrigado. A rota traçada pelo computador está certa?”
“Certa, certa, de se dizer, nossa, eles sabem mesmo para onde vão! – replicou a moça tentando engrossar a voz, parodiando os trejeitos do capitão. – Ou o senhor quer a verdade?”
“Por Órion! – disse aos gritos. – O que aconteceu com o GPS? Não é fácil marcar uma reunião com o ministro do planeta Kirglyon. Deve haver uma rota alternativa. Verifique novamente.”
Star apertou alguns sinais na tela colorida, arrastando ícones e abrindo pastas.
“O nosso guide positioning in space está com defeito, capitão. Eu avisei o senhor, mas ninguém escuta a loirinha, escuta?”
“Não é a mim que você deve avisar. – Dick bateu as mãos nos braços da poltrona. – Cadê aquele imprestável do revisor de danos?”
“Ele está morto, capitão. – ela respondeu com um tom de tristeza. – Aquele Glork não perdoou. Pelo visto ele não era tão bom revisor de danos quanto dizia ser.”
Ninguém conhecia ao certo o revisor de danos. Não sabiam nem ao menos o seu nome. Dylan era um mau funcionário e o serviço como revisor era apenas um ganha pão temporário. Sua morte havia sido noticiada por Julius, o responsável de comunicações na Alpha Centauri. No momento do anuncio, apenas Star lamentou. Ela sempre achou a morte algo lamentável.
“Bem, se o Glork não o tivesse matado, acho que eu mesmo faria isso.”
Star sabia que o Capitão não fazia do tipo assassino. Ele era mais do tipo rabugento.
“Ainda podemos parar em um planeta próximo e perguntar o caminho. – Ela começou a verificar uma estação próxima ou um campo de comunicações ativo. – Deve ter alguém próximo.
“Perguntar! Pelo amor de Órion, mulher, eu sou um capitão! Você não vê capitães parando na nebulosa mais próxima para perguntar rotas ou tomar uma galáctica gelada.”
Convencê-lo de parar seria impossível. Star e toda a tripulação conheciam o gênio de Dick. Não havia muito do que reclamar, já que o antigo Capitão era ainda pior. Seu apelido entre os tripulantes era “Titanic”. Por pouco todos não morreram quando a nave entrou em um cinturão de asteróides. Depois desse episódio, a própria Comissão Estrelar 118 pediu para que ele fosse afastado. Dick era mais jovem, mas com seus trinta e cinco anos tinha as manias de um homem de setenta.
“Não custa nada. – replicou Star, cansada de conferir os mesmos dados no painel – Ficamos dando voltas na nebulosa do Olho de Gato o dia inteiro.”
Uma voz mecânica começou a ecoar na cabine de comando.
“Alerta lilás. Alerta lilás.”
“Star, pare de mexer na configuração do computador. Eu já nem sei mais o que as suas cores favoritas querem dizer.”
Dick esperava que lilás não fosse algo grave. As mulheres adoram lilás. Quase todas se vestem com essa cor, ele pensou.
“Senhor, o alerta lilás quer dizer. . . bem . . . nós estamos indo de encontro a um . . . . – ela mexeu na tela desesperadamente, conferindo os dados a procura de um engano – Não pode ser! BURACO NEGRO! O que vamos fazer?!”
“Star, mantenha a calma. – Dick respirou fundo e acionou o comendo manual – Agora ligue os propulsores.”
“Capitão, – ela disse chorando – acho que é uma péssima hora pra avisar que os propulsores param de funcionar.Vamos morrer!”
“Pare de chorar. Nós não vamos morrer aqui. Não hoje. Não agora. – Dick pode sentir a nave sendo puxada por um forte campo de força. – Acione os propulsores de emergência.”
“O senhor se lembra do revisor de danos? Tá aí uma das coisas que ele deixou de revisar.”
Por um instante Star se sentiu uma idiota por lamentar a morte dele. Não haveria ninguém para lamentar a sua.
Dick se tentou se lembrar do treinamento, mas tudo que vinha a sua mente era o rosto da mãe pedindo para que não se alistasse na FAEE – Força Armada Estrelar Especial – considerada a mais perigosa do planeta.
“Pelo amor de Orion! Senhorita Star, tem alguma coisa para me dizer, fora a morte eminente, e que seja uma boa notícia?”
“Eu tenho sim. – Star se levantou do seu posto, se aproximou do capitão sentado ao seu lado e com os olhos cheios de lágrimas sussurrou em seu ouvido – Eu te amo.”
O tempo parou. Talvez não no espaço, mas para aquele capitão quase quarentão, diante de sua assistente de bordo. Todos aqueles anos ela ficou bravamente ao seu lado. Seus olhos não mostravam mais medo. Talvez os dele mostrassem. Mesmo com o coque bagunçado e alguns fios desalinhados, ela parecia mais linda.
Com coragem, ele se levantou e a tomou em seus braços, jogando seu corpo de lado como em um filme hollywoodiano, em que os beijos são contidos e os mocinhos são heróis, que agarram as mocinhas da forma mais delicada possível.
Aquele beijo durou uma fração no infinito, e assim como o tempo, a eternidade parou para os dois.
Certos da morte, eles abriram os olhos e verificaram a tela de comando.
“Olhe Capitão, estamos vivos!”
Os dois começaram a rir descontroladamente, se abraçaram sem acreditar.
“Me lembre de comprar um GPS – ele disse sorrindo olhando no fundo dos olhos azuis dela – e de instalar um canalizador de buracos de minhoca.”
Os dois começaram a rir sem parar. Estavam vivos, e este não era o motivo real da alegria. Estavam vivos e apaixonados. Ainda haveria uma chance, já que o amor faz a vida valer à pena.
Autora: Alessandra Borges