Anônimo Singular
Segunda-feira pela
manhã.
Fazia
frio…muito!
Céu cinza.
Pássaros.
Vida
Amarga
e
café
expresso!
Em um piscar de coração,
uma
carta
debaixo
da
Porta…
Um susto
com surpresa!
Um medo
com curiosidade.
Uma alegria,
quem sabe até desejo.
Examinar…
Está escrito “anônimo singular”.
Abrir
ou
lixo
?
Hum
…
Abrir!
Era uma
carta
velha.
Com um cheiro
convidativo de canela
e
amassada
com letra uma
Sensível.
Ler
“Para, certamente, o grande amor de minha moribunda vida, não se assuste, sou eu. Eu. Uma carta apaixonada. Sou seu segredo. Sou nosso. O amor é visceral, é suicídio de paradigmas. O racional quando passa, disfarça o passo, mas acomete os sensíveis. Estava doente mas não porque amei.Mas gostaria que você soubesse da existência de alguém que continua te amando sem roteiros. Ah! Como a amo! Amei o conhecer-te sem apresentações. Desnudei, em minha mente, sua várias formas de ser, parecer e ter…Minha fortaleza frágil de mulher! Minha oração dita em tons baixos! Meu frio de uma calorosa manhã! Minha Berlim dos anos 50 .
455 dias de observações, uma vida de marcas. Era inocente. A realidade se mostra tão ácida conosco, que poderíamos até assassinar os verdadeiros, por apenas acreditar que poderia ser a maldade com alguma maquiagem.
A felicidade nunca vai ser megalomaníaca! Um castelo não é feito de sorrisos…e o bem estar que você me proporcionou no alto de seus saltos cor de mar e na camuflagem de um batom rosado, como consequência, me ofertou os melhores dias cronometrados de uma vida que ate então, apenas transformava em cólera, os sentimentos das pessoas ao redor!
Sei que está triste…percebi em seu caminhar.
Vou parar de assusta-la ao decorrer da escritura. Assim espero!
Na primeira vez que minh ‘alma encontrou o teu caminho, senti uma brisa que me lembrou aos tempos de moleque. Nos tempos em que eu corria pela mata em busca de uma árvore que me oferecesse sombra, juntamente com uma visão entorpecida dos raios de sol entre galhos e folhas! Relicário valioso de ter! No antes do agora. No sorriso que precedia as lágrimas! As reminiscências de outrora, quando fazem bem a massa cinzenta, vira cura para o presente. Homeostase de espírito!
Lastimava, até o dia que me vi fascinado pelo teu caminhar, a metamorfose que era minha existência! De lagarta a crisálida. Sem evolução. Entregue a inércia de uma decisão superior, do pressuposto e da certeza, do laudo médico. Assim, sem convite, bem como toda dor: que entra sem educação, destrói suas células emocionais no âmago da sua fragilidade, e em um processo de antropofagia, alimenta-se de toda a esperança… apenas para ter como consequência, a mesma intensidade!
Parece confuso, posso imaginar… assim como suspeito que está com melancolia, uma profunda languidez, um esmorecimento psíquico, cujas razões vivem dentro de seu coração e andar pesado.
Pode parecer fantasia, uma estória de alguém sem graça alguma, uma cena de novela…todavia novelas não existem! O que é real é a vida que vivemos do jeito que tentamos, somos a mais perfeita produção cinematográfica, recolhendo os cacos de nós, travando guerras épicas para fazer o melhor do que fizeram da gente. Me orgulho de você, por isso!
De segunda a sexta feira pela tarde, quando o céu se esforçava por um lindo alaranjado por de sol, eu olhava você subindo as escadas do metrô. Eram dias para ti. Era vida pra mim.
Sempre no mesmo trajeto, de diferentes modos de estar. A lua não teria tanta coragem para ter mais fases do que você!
A mulher que trazia ventos de paz subia as escadas olhando para além da sua tristeza e além do seu olhar, (como se quisesse enxergar um horizonte de liberdade, uma paisagem que não lhe tolhesse os sonhos, uma visão de alívio mental), trazia consigo um estado cósmico de nirvana, de alívio, de algo sem arestas. Em seguida, jogava uma garrafa de 500 ml de água no lixo, pois gostava de ser politicamente correta.
Tal-qualmente existem cálculos que ninguém nunca vai solucionar, dores que não ousariam curar, há dentro de nós, situações que evocam algo de natureza desconhecida que se aproxima, encarando o nosso ser. São respostas que eu não tenho! Você poderia estar indagando “por quê comigo? O que eu tenho além do que sou?”
Analise comigo: existem milhões de terráqueos com características diversas e xerox ambulantes. Talvez em uma auto biografia sua, você não iria precisar de tantas páginas. Pra si, mais uma entre tantos. Perdida e insegura, como uma criança assustada que precisou crescer engolindo o choro e em seguida os sapos, para finalmente encarar o mundo. Sem questionamentos, apenas à quem da sociedade. Sem isso ou aquilo. Sem feitos ou legados. Sem fortunas ou herdeiros.
Mas na minha perspectiva, você foi tudo! Foi cura pra morte de muitos. Do andarilho beneficiado com uma refeição do restaurante da esquina, que você pagou as 17:23 de uma terça- feira 28(sendo que o mesmo era frequentemente humilhado e ignorado pela sua condição), passando pela senhora de vestido floral visivelmente atrasada as 17:30 de uma quarta feira 05,perguntando-lhe a localização de algum lugar que você soube responder com prontidão(me lembro bem dessa ocasião pois comemorei meu aniversário ali ,sentado em um banco de madeira e feliz pela boa ação da senhorita canela), até a minha morte em vida!
Eu que ia ao parque me refugiar das grades do meu condomínio,do choro contido de minha mãe,do excesso de pena dos meus amigos, chutando pedras que existiam no caminhos, observando o florista da esquina cultivando bromélias, encontrei em ti, a esperança que faltava para eu aceitar a minha existência e a minha ida .
Nos últimos dias em que me encontrava no parque a sua espera, senhorita canela, observei o seu semblante visivelmente avermelhado e cansado.Como se estivesse chorado interminavelmente. Com um pesar nos pés e uma postura mais encurvada para dentro de si, me vi na condição de conforta-la, mas…acho que tinha medo em me apresentar, não sei ao certo… Continuei sendo fraco e deixando-a sem amparo, escorrendo por entre os meus dedos.
Sinto muito por isso! Muito mesmo…
Seja quais forem as tuas feridas, não se sinta acometida pelo fracasso que acha que sua vida se tornou, por consequência do cerne familiar ou do excesso de labuta…
Ninguém nunca vai saber a proporção do mundo que carregamos sobre os ombros ou a intensidade das nossas emoções, porem como um bom conhecedor das próprias mazelas e de como você me ajudou a transforma-las em cicatrizes, digo-lhe: em qualquer lugar do mundo em que esteja, saiba que fez parte da reconstrução de um ser humano; que foi fonte de inspiração para alguém; que libertou uma alma de maneiras diferentes por mais de 455 dias; que foi protagonista de uma intimista história de amor real.
O coletivo julga em uma fração de segundos mais rápido que a velocidade da luz. Não se curve a isso! Não ofereça a sua cabeça a guilhotina. Seja o barco que procura os próprios sorrisos indo contra a maré. Você pode ser a diferença que tanto sonha no mundo! Se eu acreditei nisso, por que não fazer o mesmo?
Há 10 anos, fui diagnosticado com um linfoma não Hodgkin e , entre promessas de recuperação, dor e estafa de minha família, perda de cabelo,emagrecimento,olhares com excesso de falácias, avanço e retrocesso, eu soltava um pseudo olhar de aceitação, de conforto. Mas estava assustado e aversivo ao mundo, desconhecendo a minha própria fé!
Chorava diante do espelho, querendo destruir o reflexo que eu não reconhecia mais, mostrando uma aparência franzida e um olhar desolado,com ossos saltando na pele… naquele momento,apenas gostaria de tocar um tango triste no meu violino sujo em um bosque abandonado no inverno.
Na atual conjuntura em que escrevo, me encontro no hospital central. Mais leve, vivo e pronto para encarar a abertura da porta que nos leva a algum lugar.
Minha vó falava que quando falecemos, vamos para uma espécie de tribunal, onde serão contabilizado nossos erros para um certo acerto de débitos nas próximas encarnações. Bem, ao escutar minha velha falando isso, pensava em voz baixa, como ela saberia se nunca havia batido as botas?! Defendo a ideia que deveríamos falar do que já experimentamos. Mesmo assim, acho que se trata de algo mais além… quando ficamos perto da passagem, sentimos o que de fato significou tudo isso. Embora, se minha vó estiver certa, iria faltar papiro celestial para somatizar os meus “pecados”. Não vivi plenamente com a graça de acordar e escutar o canto dos bem-te-vis, não me encantei pelo mar, não chorei tanto, não me importei muito…
Hoje eu entendo que não existe sofrimento de graça, a toa, sem propósito. Para ser feliz, precisei de um câncer! Precisei sentir por muito tempo, raiva de todo o processo, levando a uma sensação sufocante de prisão domiciliar. E o meu próprio vento foi me levando a um parque,um novo reduto! Estava escrito pra ser assim. E em uma segunda feira 13, em um olhar mais perfeito que a Proporção Áurea, avistei o que de longe vinha a ser, melhor que Melfalan!
Você foi o remédio mais valioso da minha existência…senhorita canela. A chamo assim porque és misteriosa, doce e levemente amarga, como todas as mulheres!
Saibas que tens um diferencial: o amor puro e inocente de alguém que enxergou além das suas defesas ou cascas, como queira chamar… Observou pontes em suas fronteiras…Que admirava o seu coração!
Para o azar da carta, por falta de tempo, me despeço por aqui; deixando a entrega deste documento como penúltimo desejo da minha intensa e agora, cronometrada vida. Pedi ao meu irmão que descobrisse aonde você morava para lhe entregar a carta contando apenas uma história real de amor…e por que não, uma bela história? Está chegando o momento de apagar as luzes.
Peço perdão pela invasão. Apenas gostaria que você soubesse disso antes de voltar a rotina… não queria que subisse aquelas escadas do metrô da mesma forma que fazia.
Eu só queria ser especial na vida de alguém…
E como último desejo, humildemente, gostaria que você tentasse ir em busca do que agrada tua existência, tua pele, teus ares…desenvolver o fruto de uma imposição, assassina os nossos sonhos, nos transforma em robôs gélidos e acomodados em uma zona de conforto capcioso!
Se preciso for, perca-te sempre que necessário, para encontrar-te no final da busca incessante da própria felicidade, do próprio eu…
Para mim, o seu olhar, mesmo equidistante,era e é o único universo que existe!
Lembras quando expus o meu sentimento acerca da metamorfose?
Pois bem, serei eternamente grato pelos teus tons de castanho e avelã, por enfeitar o restinho da minha vida, por ser quem você é e melhor do que imagina, porque foi só assim, que eu pude virar finalmente borboleta.
Adeus meu primeiro e intenso amor!
Você foi minha cura!
Obrigado por existir nos meus dias e permanecer além da minha vida!
com carinho,
homem do parque.”
Depois da leitura, o café já tinha esfriado,o tempo estava atrasado e o olhar tinha saltado. Mas algo naquele apartamento ficou,pela primeira vez, aquecido.
Autora: Amanda Mattos